Retrospecto

Tiveram que quebrar meu calcanhar de Aquiles, de certo modo, não estou tão frágil quanto deveria.

Puseram-me numa sala escura, senti meu corpo repartir-se em espiral. Sensações e emoções aprisionadas ao logo dos anos libertaram-se e vinhão juntas em forma de batalhão. Eu era meu próprio sistema imunológico contra as lembranças que me amedrontaram.

    Vinham em minha direção e naquele instante eu já não estava sentado do lado esquerdo da mesa, eu jazia em um salão escuro. Lágrimas caíram  dos meus olhos, e no mesmo instante eram sangue, e naquele sangue eu transbordava, me afogava, estava em desespero.

  Retornei ao inicio, estava nu no meio do espiral. Frente a frente como num telão elas vinham em minha direção fazendo com que eu recorda-se certos momentos, aprisionavam o sentimento e o rasgavam diante dos meus olhos.

   A lembrança do amor puro foi rasgado e queimado, jogado ao vento transformando suas cinzas em minha futura mortalha. 

 O alter-egos vinham formando um circulo, gritando e perguntando por quê. Seus corpos estavam sendo queimados, levantei a cabeça e fitei nos olhos daquele que formava o circulo, levantei-me as pressas e o abracei fortemente a ponto de salva-lo das chamas. Abri meus olhos e as cinzas dos alter-egos já aviam sumido, e do lado oposto ao meu estava a salvo aquele que tive ânsia de salvar. Nu. Amedrontado.

       Nos olhamos desesperadamente, as vozes naquele instante gritaram coisas e ambos sabíamos que só um sairia dali. Começamos uma luta corporal, rolamos pelo chão e caímos em um abismo que mais parecia não ter fim. Dei-lhe um golpe certeiro arrancando-lhe sua essência - ou seria a minha? - fazendo com que eu retorna-se ao inicio e seu corpo continua-se a cair no abismo.

Taparam os meus olhos e vestiram em mim a mortalha, me soltaram e agora eu jazia em um corredor onde seu fim existia luz. Corri em direção ao fim, e por mais que tentasse parecia não ter fim, senti segurarem meus braços, desta vez eu não seria tão fácil, usei a força que ainda restou-se em mim.

  Ouvi sussurros, em seguida as aquelas sombras desistiram  de mim.

  Em seguida comecei a senti uma dor tremenda, mas mesmo assim tentei continuar o percurso. Meu corpo teria sido liberto, mas minha alma teria dito seu preço. Como num soluço um outro eu saíra de mim, voltara nu para o abismo, sentando no circulo de fogo e dissipando-se por todos os caminhos ocos daquele espiral.

Assim que pus meus pés para fora do salão das sombras e já não existia mas o escuro, só aquela luz ofuscante e solitária.

Será mesmo assim o melhor dos dois mundos? Céu, Inferno, Paz, Êxtase.

No fim, a vida é só rascunhos de um livro inacabado, cujo escritor é sádico e ranzinza.

                                                  (Luciano Gomes)